sábado, 14 de setembro de 2019

Deus não existe

Mas se existisse, como querem alguns, a pergunta que deveríamos nos fazer é:

"Porque Deus não criou uma criatura igual a ele, perfeita, onipotente, onisciente, onipresente, etc?"

Pelo jeito ele não teve capacidade para isso ou só queria criaturas inferiores para brincar de playmobil.

A verdadeira pergunta

Uma hora ou outra alguém sempre acaba nos perguntando se acreditamos em Deus.

Algumas pessoas assumem de antemão que Deus existe, para elas isso é fato mesmo não tendo qualquer prova, e com essa pergunta querem saber que argumentos temos sobre a existência do Deus.

Geralmente também estão interessados em saber de que denominação religiosa somos.

Outras pessoas, mais sensatas, querem saber se acreditamos ou não na existência de Deus.

Os ateus respondem que não.
Os crentes respondem que sim.
E algumas pessoas se dizem agnósticas, ou seja, que não sabem dizer se existe um Deus ou não.

Mas ninguém está perguntando ao agnóstico se elas sabem se Deus existe ou não.

Ninguém sabe se um Deus existe ou não.
Então a verdadeira pergunta é "Apesar de não saber, você acredita/espera/imagina que possa existir um Deus ou não?"

Em geral quem se diz agnóstico é aquele que foge de responder a essa pergunta.

sábado, 27 de julho de 2019

Ain't Got No / I Got Life (Tradução) - Nina Simone

Eu Não Tenho / Eu Tenho Vida

Não tenho casa, não tenho sapatos
Não tenho dinheiro, não tenho classe
Não tenho saias, não tenho casacos
Não tenho perfume, não tenho amor
Não tenho fé
Não tenho cultura
Não tenho mãe, não tenho pai
Não tenho irmão, não tenho filhos
Não tenho tias, não tenho tios
Não tenho amor, não tenho importância
Não tenho país, não tenho escolaridade
Não tenho amigos, não tenho nada
Não tenho água, não tenho ar
Não tenho cigarros, não tenho um franguinho
Eu não tenho
Não tenho água
Não tenho amor
Não tenho ar
Não tenho Deus
Não tenho vinho
Não tenho dinheiro
Não tenho fé
Não tenho Deus
Não tenho amor
Então o que eu tenho?
Por que mesmo eu estou viva?
Sim, inferno
O que eu tenho
Ninguém pode tirar de mim
Tenho o meu cabelo, tenho minha cabeça
Tenho meu cérebro, tenho minhas orelhas
Tenho meus olhos, tenho meu nariz
Tenho minha boca
Eu tenho
Eu tenho a mim mesma
Tenho meus braços, minhas mãos
Tenho meus dedos, tenho minhas pernas
Tenho meus pés, tenho dedos nos pés
Tenho meu fígado
Tenho meu sangue
Eu tenho uma vida
Eu tenho vidas!
Tenho dores de cabeça, e de dente
E tenho horas ruins, assim como você
Tenho o meu cabelo, tenho minha cabeça
Tenho meu cérebro, tenho minhas orelhas
Tenho meus olhos, tenho meu nariz
Tenho minha boca
Eu tenho o meu sorriso!
Eu tenho a minha língua, meu queixo
Meu pescoço e meus seios
Meu coração, minha alma
E minhas costas
Tenho meu sexo
Tenho meus braços, minhas mãos
Meus dedos, minhas pernas
Tenho meus pés, e meus dedos
Tenho meu fígado
Tenho o meu sangue
Eu tenho vida
Eu tenho minha liberdade
Ohhh
Eu tenho a vida!

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Ridicularizar o Cristianismo


O psicólogo Jordan Peterson disse "Ridicularizar o Cristianismo não te faz inteligente".
Esquece ele que defender o cristianismo também não faz ninguém inteligente.
Fé nem sequer define caráter.
A religião cristã também tem alguns valores interessantes, como em geral toda cultura tem, mas não deve ser considerada nada mais do que apenas um degrau na história humana.
Infelizmente muitas pessoas ali sentam em vez de continuar subindo.
Nenhum bom valor humano foi criado pelo cristianismo ou é exclusividade dele.
Nenhum ensinamento "supra humano" ali é encontrado.
Religiões são partidos políticos com fins lucrativos.
Não é nada difícil encontrar palavras para apoiar ou criticar a fé alheia, qualquer que seja ela. Fé até terrorista tem.
Palavras tem pra tudo, elas não provam nada, basta observar qualquer político, religioso ou mesmo um filósofo.
Você já se perguntou o que levaria um Deus perfeito a criar outra criatura?
Com tanto poder, porque ele não criou outra exatamente como ele?
Queria ele brincar de playmobil com criaturas inferiores?
Quando o assunto é religião, fé, crença, tudo pode ser dito.
É piada querer ser levado a sério quando o assunto é religião.

sábado, 29 de junho de 2019

A Arrogância da Oração

Autor: Emil M. Cioran

Quando se chega ao limite do monólogo, aos confins da solidão, inventa-se — na falta de outro interlocutor — Deus, pretexto supremo de diálogo.
Enquanto o nomeias, tua demência está bem disfarçada e… tudo te é permitido.
O verdadeiro crente mal se distingue do louco; mas sua loucura é legal, admitida; acabaria em um asilo se suas aberrações estivessem livres de toda fé.
Mas Deus as cobre, as torna legítimas.
O orgulho de um conquistador empalidece comparado à ostentação do devoto que dirige-se ao Criador.
Como se pode ser tão atrevido?
E como poderia ser a modéstia uma virtude dos templos, quando uma velha decrépita, que imagina o Infinito a seu alcance, eleva-se pela oração a um nível de audácia ao qual nenhum tirano jamais aspirou?

Sacrificaria o império do mundo por um só momento em que minhas mãos juntas implorassem ao grande Responsável de nossos enigmas e de nossas banalidades.
Entretanto, esse momento constitui a qualidade corrente — e como que o tempo oficial — de qualquer crente.
Mas quem é verdadeiramente modesto repete a si mesmo: “Demasiado humilde para rezar, demasiado inerte para transpor o limiar de uma igreja, resigno-me à minha sombra e não quero uma capitulação de Deus ante minhas orações”.
E aos que lhe propõem a imortalidade, responde: “Meu orgulho não é inesgotável: seus recursos são limitados. Pensam, em nome da fé, vencer seu eu; na realidade, desejam perpetuá-lo na eternidade, pois não lhes basta esta duração presente.
Sua soberba excede em refinamento todas as ambições do século.
Que sonho de glória, comparado ao seu, não se revela engano e vã ilusão?
Sua fé é apenas um delírio de grandeza tolerado pela comunidade, porque utiliza caminhos camuflados; mas seu pó é sua única obsessão: gulosos do intemporal, perseguem o tempo que o dispersa.
Só o além é bastante espaçoso para suas cobiças; a terra e seus instantes parecem demasiado frágeis.
A megalomania dos conventos supera tudo o que jamais imaginaram as febres suntuosas dos palácios.
Quem não admite sua nulidade é um doente mental.
E o crente, entre todos, é o menos disposto a consentir.
A vontade de durar, levada até tal ponto, apavora-me.
Recuso-me à sedução malsã de um Eu indefinido.
Quero chafurdar-me em minha mortalidade.
Quero permanecer normal.”

(Senhor, dá-me a faculdade de jamais rezar, poupa-me a insanidade de toda adoração, afasta de mim essa
tentação de amor que me entregaria para sempre a Ti.
Que o vazio se estenda entre meu coração e o céu!
Não desejo ver meus desertos povoados com Tua presença, minhas noites tiranizadas por Tua luz, minhas Sibérias fundidas sob Teu sol.
Mais solitário do que Tu, quero minhas mãos puras, ao contrário das Tuas que sujaram-se para sempre ao modelar a terra e ao misturar-se nos assuntos do mundo.
Só peço à Tua estúpida onipotência respeito para minha solidão e meus tormentos.
Não tenho nada a fazer com Tuas palavras.
Concede-me o milagre recolhido antes do primeiro instante, a paz que Tu não pudeste tolerar e que Te incitou a abrir uma brecha no nada para inaugurar esta feira dos tempos, e para condenar-me assim ao universo, à humilhação e à vergonha de existir.)
Tradução: José Thomaz Brum
fonte: Breviário de Decomposição

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Eu sou um niilista

Eu sou um niilista e isso não me impede de sempre tentar ajudar a evitar ou aliviar o sofrimento, seja de quem for. A vida não tem sentido, eu dou o sentido que quiser a minha vida. Mas o sofrimento existe, as sensações de dor e desespero existem, e todas as criaturas vivas sofrem. Enquanto estou aqui, vivo, por que não trabalhar, sozinho ou em conjunto com outras pessoas, para tentar aliviar o sofrimento? No link abaixo temos um exemplo de pessoas que se doaram para salvar outras. Tem gente que escolhe adorar um Deus, já eu adoro cada um desses seres humanos. Esses heróis que colocaram tudo o que tinham a serviço do próximo, que tudo abandonaram para fazer o que fosse necessário, para salvar quem não conheciam, para salvar até mesmo seus inimigos. Nessa hora, nenhum deles julgou ninguém, apenas se dedicaram a ajudar, a salvar. Me recuso a cultuar um ser que, do céu ou de sei lá onde, fica esperando e observando as pessoas para julgá-las em vez de socorrê-las quando precisam. O verdadeiro bem se faz na hora H, o verdadeiro herói não deixa outro ser senciente sozinho, sofrendo, e fica lá observando. Quando a humanidade vai deixar de contar lorotas para si mesma e vai sacudir a poeira para trabalhar pelo verdadeiro bem comum?

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Amor cristão

Certa vez ao ouvir de uma senhora crente aquela velha pregação de sempre sobre céu, inferno e que Jesus teria vindo para nos salvar, lhe questionei: "Senhora, me diga uma coisa.
Imagine que a senhora, que é crente, tem um filho ateu. Ambos pegam um elevador. Nesse momento acontece um forte terremoto, falta luz e o elevador trava. A senhora e seu filho, presos no elevador, percebem que não escaparão dali, pois o prédio começa a desabar. Ambos se desesperam. A senhora então tenta pela última vez pregar para ele, para que ele aceite o tal Jesus e seja salvo. Mas ele que é ateu, não aceita, rejeita Jesus. Infelizmente o prédio desaba e morrem os dois. A senhora que aceitou Jesus vai pro céu e seu filho, infelizmente, vai para o inferno.
Como a senhora será feliz no céu sabendo que seu amado filho foi para o inferno?" E lá veio a resposta: "Ah, meu filho, deixa, lá no céu você nem vai lembrar dessas pessoas."

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Vazio existencial

Quando olho para a imensidão do Universo, fico pensando: Se só existir vida inteligente na Terra, que desperdício seria o Universo. Se existir vida inteligente espalhada pelo Universo, imagino o tamanho do vazio existencial de todas essas criaturas. Por que o ser humano fica procurando sentido em algo externo? Por que ter medo desse vazio existencial? Sejamos felizes aqui e agora, ajudando o próximo a diminuir seu sofrimento, usufruindo com equilíbrio da nossa existência. A vida é maravilhosa e fica melhor ainda quando temos menos apegos. Mas quando a vida acabar, acabou. Qual o problema?

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Buda era mesmo o demônio

Desde criança sempre abominei as histórias da bíblia, contadas com soberba pelos cristãos.
Odiava ouvir aquelas histórias com pessoas sendo torturadas física e psicologicamente pelo Deus, com crianças e animais sendo assassinados, histórias de genocídio, de doenças, de maldições e pragas.
Lendo a bíblia, desenvolvi uma imensa compaixão pelo Jó.
E também uma imensa revolta contra o Deus cristão, que hoje chamo de "o demônio Deus".
Quando alguém contava uma história desse tipo, eu sempre contava outra com exemplos mais tranquilos.
Certa vez, ao terminar de contar a história abaixo a um cristão, ouvi em seguida:
"Buda era mesmo o demônio, ainda bem que nós temos Jesus, nosso salvador que morreu por nós".
Fiquei estupefato, e a primeira frase que me ocorreu foi "Nós quem, cara pálida?"
Eu era adolescente, tinha uns 15 anos, e a partir desse momento tive certeza absoluta de que eu jamais seria um cristão.
Coversa entre Buda e o Angulimala, um assassino.
“Angulimala, eu parei de cometer atos que causam sofrimento a outros seres vivos há muito tempo. Aprendi a proteger a vida, as vidas de todos os seres, não apenas humanos. Angulimala, todos os seres querem viver. Todos temem a morte. Devemos nutrir um coração de compaixão e proteger as vidas de todos os seres”.
“Seres humanos não se amam. Porque eu deveria amar outras pessoas? Humanos são cruéis e enganadores. Não descansarei até que tenha matado todos eles”.
O Buda então falou gentilmente, “Angulimala, eu sei que você sofreu profundamente nas mãos de outros humanos. Às vezes os humanos podem ser muito cruéis. Essa crueldade é resultado da ignorância, do ódio, do desejo e da inveja. Mas os humanos também podem ser compreensivos e compassivos. Meu caminho pode transformar crueldade em bondade. O ódio é o caminho em que você está agora. Você deveria parar. Ao invés, escolha o caminho do perdão, da compreensão e do amor”.
Angulimala ficou mexido com as palavras do monge. Ainda assim sua mente estava mergulhada em confusão. O monge olhou para Angulimala como se ele uma pessoa íntegra e digna de respeito. Angulimala perguntou: “Você é o monge Gautama?”.
O Buda consentiu.
Angulimala disse, “É uma pena não encontrei você antes. Já fui longe demais no meu caminho de destruição. Não é mais possível voltar atrás”.
O Buda disse, “Não, Angulimala, nunca é tarde demais para fazer um ato bom”.
“Que ato bom eu seria capaz fazer?”
“Pare de viajar pela estrada do ódio e da violência. Esse seria o maior ato de todos. Angulimala, embora o mar do sofrimento seja imenso, olhe para trás e você verá a margem”.
“Gautama, mesmo que eu quisesse, eu não poderia voltar atrás agora. Ninguém me deixaria viver em paz depois de tudo que fiz”.
O Buda pegou a mão de Angulimala e disse, “Angulimala, eu o protegerei se você fizer o voto de abandonar sua mente de ódio e se dedicar ao estudo e prática do Caminho. Tome o voto de começar de novo e de servir aos outros. E fácil ver que você é um homem de inteligência. Não tenho dúvida que você poderia conquistar o caminho da realização”.
Angulimala se ajoelhou perante Buda. Ele removeu sua espada de suas costas, colocou-a na terra, e se prostrou aos pés do Buda. Cobriu seu rosto com as mãos e começou a soluçar. Depois de um bom tempo, ele olhou pra cima e disse, “Faço votos de abandonar meu caminho maligno. Seguirei você e aprenderei compaixão de você”. 

segunda-feira, 25 de março de 2019

As três respostas

Autor: Tolstoy

Esta é a estória das três perguntas do imperador.

Ele poderia continuar a reinar satisfeito, sem o risco de cometer nenhuma falha, somente se conseguisse a resposta para as seguintes perguntas:

Qual o tempo mais oportuno para se fazer cada coisa?

Quais as pessoas mais importantes com quem trabalhar?

Qual a coisa mais importante a ser feita?

O imperador publicou uma declaração, dizendo dar um alto prêmio àquele que fosse capaz de responder às perguntas.

Inúmeras pessoas se dirigiram ao palácio oferecendo diferentes respostas.

Em resposta à primeira pergunta, alguém aconselhou o imperador a fazer um planejamento completo, dedicando todas as horas, dias, meses e ano a certas tarefas constantes da programação elaborada e observá-lo ao pé da letra.

Só assim teria ele possibilidade de fazer cada coisa no tempo certo.

Uma segunda pessoa respondeu que seria impossível planejar com antecedência, que deveria deixar todo e qualquer divertimento vão de lado e permanecer atento a tudo, a fim de saber o que fazer na hora certa.

Uma terceira disse que o imperador jamais poderia, por si próprio, ter a previsão e competência necessária para decidir quando fazer cada coisa, e que o que ele realmente precisava era constituir um conselho de sábios e agir de acordo com o que fosse deter­minado por estes.

Uma quarta, enfim, disse que certos assuntos requeriam providências imediatas, não podendo assim esperar por decisão de conselho, mas se o imperador quisesse saber dos acontecimentos com antecedência, deveria consultar mágicos e adivinhos.

As respostas à segunda perguntam também não foram satisfatórias.

Uma pessoa disse que o imperador devia depositar toda sua confiança nos administradores, outra, nos padres e monges, outra, nos médicos, e, outras ainda, nos guerreiros.

A terceira pergunta trouxe uma variedade similar de respostas.

Alguns disseram que a coisa mais importante a fazer era a ciência.

Outros falaram em religião.

Outros ainda achavam que a coisa mais importante era a arte bélica.

Como nenhuma das respostas satisfez ao imperador, nenhum prêmio foi concedido.

Após refletir por várias noites, o imperador decidiu sair à procura de um eremita que vivia na montanha, e que diziam ser um homem iluminado.

Sabia-se que ele jamais deixara a montanha e não recebia ricos nem poderosos, apenas os pobres.

Ainda assim, o imperador decidiu ir ao seu encontro para fazer-lhe as três perguntas. Disfarçado de camponês, o imperador ordenou aos seus criados que o esperassem ao pé da montanha enquanto ele subiria sozinho.

Ao chegar ao lugar em que vivia o eremita, o impera­dor o viu lavrando a terra da horta em frente à sua pequena cabana.

Ao avistar o forasteiro, o eremita acenou-lhe com a cabeça, continuando a capinar.

O trabalho era bastante duro para um homem daquela idade, e toda vez que enterrava a enxada na terra, para revolve-la, um profundo suspiro acompanhava seu movimento.

Acercando-se dele, o imperador falou:

"Vim até aqui para pedir sua ajuda. Quero que me responda a três perguntas”:

Qual o tempo mais oportuno para se fazer cada coisa?

Quais as pessoas mais importantes com quem trabalhar?

Qual a coisa mais importante a ser feita?"

O eremita ouviu-o atentamente, mas não respondeu.

Deu uma palmadinha amistosa no ombro do forasteiro e continuou seu trabalho. O imperador então disse:

"Você deve estar cansado, deixe-me dar uma mão no seu trabalho".

Agradecendo, o eremita passou-lhe a enxada e sentou-se no chão para descansar.

Depois de ter cavado dois canteiros, o imperador parou e, voltando-se para o eremita, repetiu suas três perguntas.

Ao invés de responder, o eremita levantou-se e apontando para a enxada disse:

"Por que não descansa agora? Eu posso retomar o meu trabalho de novo".

Mas o imperador não lhe passou a enxada e continuou a cavar.

Assim se passaram as horas, até que o sol começou a se esconder atrás da montanha.

O imperador colocou a enxada de lado e falou ao eremita:

"Eu vim até aqui para ver se você seria capaz de responder minhas três perguntas.

Mas se não puder respondê-las, por favor, me diga, para assim eu voltar para casa".

Levantando a cabeça, o eremita perguntou:

"Está ouvindo os passos de alguém correndo ali adiante?"

O imperador voltou a cabeça e, de repente, à frente de ambos, surgiu de dentro do mato um homem com longa barba branca.

Ofegante, o homem tentava cobrir com as mãos o sangue que escorria do ferimento no estômago, avançando em direção ao imperador, antes de tombar ao chão, inconsciente. Abrindo a camisa do homem, o imperador e o eremita viram que ele havia recebido um corte profundo.

O imperador limpou a ferida, usando sua própria camisa para atá-la, mas o sangue empapou-a inteira depois de poucos minutos.

O imperador então enxaguou a camisa, enfaixando a ferida pela segunda vez, assim continuando, até parar de sangrar.

Ao recobrar os sentidos, o homem pediu água.

O imperador foi até o rio e trouxe-lhe uma cumbuca de água fresca.

Nesse meio tempo a noite já havia descido e o frio se fazia sentir.

O eremita ajudou o imperador a carregar o homem até a cabana onde o deitaram sobre a cama.

O homem fechou os olhos e adormeceu.

Esgotado por ter passado o dia escalando a montanha e capinando a terra, o imperador encostou-se contra a porta de entrada e adormeceu.

Quando despertou, o dia já estava claro.

Por um momento, não se lembrava onde estava e para que tinha ido até ali.

Esfregou os olhos e viu o homem ferido que, deitado, também olhava confuso ao redor.

Ao ver o imperador, o homem fixou-o, murmurando com voz fraca:

"Perdoe-me, por favor".

"O que fez você para que eu o perdoasse?" - respondeu o imperador.

"Vossa Majestade não me conhece, mas eu o conheço.

Eu era seu inimigo declarado e tinha jurado me vingar por meu irmão ter sido morto na guerra e por minhas propriedades terem sido confiscadas.

Quando soube que V. M. vinha sozinho até aqui, resolvi surpreendê-lo no seu caminho de volta, e matá-lo.

Como não consegui vê-la após ter ficado escondido por horas a fio, decidi sair à sua procura.

Mas ao invés de encontrar V. M., dei com seus criados que me reconheceram e me feriram. Felizmente consegui escapar e correr até aqui.

Se eu não o tivesse encontrado, estaria certamente morto agora.

Eu tencionava matá-la e V. M. salvou a minha vida.

Não tenho palavras para expressar o quanto estou envergonhado e agradecido.

Se eu conseguir me recuperar, juro ser seu servo pelo resto de minha vida e o mesmo ordenarei aos meus filhos e netos.

Por favor, dê-me o seu perdão".

O imperador sentiu uma extraordinária satisfação por ver que havia se reconciliado com um ex-inimigo, tão facilmente.

Não só lhe perdoou como também prometeu devolver-lhe todas as propriedades e mandar seu próprio médico e criados tratarem-no até que se recuperasse totalmente.

Depois de ordenar aos criados que acompanhassem o homem até seu lar, o imperador voltou a ver o eremita.

Queria, antes de retornar ao palácio, repetir suas três perguntas, uma última vez.

Encontrou o eremita agachado, semeando a terra que haviam preparado no dia anterior. Este, após ouvir novamente as perguntas do imperador, disse:

"Mas suas perguntas já foram respondidas". "Como assim?" - indagou o imperador intrigado.

"Ontem, se V. M. não se tivesse compadecido de mim e me ajudado a cavar a terra, teria sido assassinado por aquele homem ao voltar para casa.

Portanto, o tempo mais oportuno foi o tempo em que esteve cavando os canteiros, a pessoa mais importante foi eu, e a coisa mais importante a fazer foi me ajudar.

Mais tarde, quando o homem ferido apareceu, o tempo mais oportuno foi o tempo em que esteve tratando de seu ferimento, pois sem seu socorro ele teria morrido e V. M. teria perdido a chance de reconciliar-se com ele.

Da mesma forma, ele foi a pessoa mais importante, e a coisa mais importante foi cuidar de seu ferimento.

Lembre-se de que só existe um tempo importante e esse tempo é o agora.

O presente é o único tempo sobre o qual temos domínio.

A pessoa mais importante é aquela que está à sua frente.

E a coisa mais importante é fazer essa pessoa feliz".

Crueldade...

Um Universo de tamanho incomensurável. Com incontáveis galáxias. Galáxias com bilhões e bilhões de estrelas. Muitas e muitas dessas estrelas...