sábado, 29 de junho de 2019

A Arrogância da Oração

Autor: Emil M. Cioran

Quando se chega ao limite do monólogo, aos confins da solidão, inventa-se — na falta de outro interlocutor — Deus, pretexto supremo de diálogo.
Enquanto o nomeias, tua demência está bem disfarçada e… tudo te é permitido.
O verdadeiro crente mal se distingue do louco; mas sua loucura é legal, admitida; acabaria em um asilo se suas aberrações estivessem livres de toda fé.
Mas Deus as cobre, as torna legítimas.
O orgulho de um conquistador empalidece comparado à ostentação do devoto que dirige-se ao Criador.
Como se pode ser tão atrevido?
E como poderia ser a modéstia uma virtude dos templos, quando uma velha decrépita, que imagina o Infinito a seu alcance, eleva-se pela oração a um nível de audácia ao qual nenhum tirano jamais aspirou?

Sacrificaria o império do mundo por um só momento em que minhas mãos juntas implorassem ao grande Responsável de nossos enigmas e de nossas banalidades.
Entretanto, esse momento constitui a qualidade corrente — e como que o tempo oficial — de qualquer crente.
Mas quem é verdadeiramente modesto repete a si mesmo: “Demasiado humilde para rezar, demasiado inerte para transpor o limiar de uma igreja, resigno-me à minha sombra e não quero uma capitulação de Deus ante minhas orações”.
E aos que lhe propõem a imortalidade, responde: “Meu orgulho não é inesgotável: seus recursos são limitados. Pensam, em nome da fé, vencer seu eu; na realidade, desejam perpetuá-lo na eternidade, pois não lhes basta esta duração presente.
Sua soberba excede em refinamento todas as ambições do século.
Que sonho de glória, comparado ao seu, não se revela engano e vã ilusão?
Sua fé é apenas um delírio de grandeza tolerado pela comunidade, porque utiliza caminhos camuflados; mas seu pó é sua única obsessão: gulosos do intemporal, perseguem o tempo que o dispersa.
Só o além é bastante espaçoso para suas cobiças; a terra e seus instantes parecem demasiado frágeis.
A megalomania dos conventos supera tudo o que jamais imaginaram as febres suntuosas dos palácios.
Quem não admite sua nulidade é um doente mental.
E o crente, entre todos, é o menos disposto a consentir.
A vontade de durar, levada até tal ponto, apavora-me.
Recuso-me à sedução malsã de um Eu indefinido.
Quero chafurdar-me em minha mortalidade.
Quero permanecer normal.”

(Senhor, dá-me a faculdade de jamais rezar, poupa-me a insanidade de toda adoração, afasta de mim essa
tentação de amor que me entregaria para sempre a Ti.
Que o vazio se estenda entre meu coração e o céu!
Não desejo ver meus desertos povoados com Tua presença, minhas noites tiranizadas por Tua luz, minhas Sibérias fundidas sob Teu sol.
Mais solitário do que Tu, quero minhas mãos puras, ao contrário das Tuas que sujaram-se para sempre ao modelar a terra e ao misturar-se nos assuntos do mundo.
Só peço à Tua estúpida onipotência respeito para minha solidão e meus tormentos.
Não tenho nada a fazer com Tuas palavras.
Concede-me o milagre recolhido antes do primeiro instante, a paz que Tu não pudeste tolerar e que Te incitou a abrir uma brecha no nada para inaugurar esta feira dos tempos, e para condenar-me assim ao universo, à humilhação e à vergonha de existir.)
Tradução: José Thomaz Brum
fonte: Breviário de Decomposição

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Eu sou um niilista

Eu sou um niilista e isso não me impede de sempre tentar ajudar a evitar ou aliviar o sofrimento, seja de quem for. A vida não tem sentido, eu dou o sentido que quiser a minha vida. Mas o sofrimento existe, as sensações de dor e desespero existem, e todas as criaturas vivas sofrem. Enquanto estou aqui, vivo, por que não trabalhar, sozinho ou em conjunto com outras pessoas, para tentar aliviar o sofrimento? No link abaixo temos um exemplo de pessoas que se doaram para salvar outras. Tem gente que escolhe adorar um Deus, já eu adoro cada um desses seres humanos. Esses heróis que colocaram tudo o que tinham a serviço do próximo, que tudo abandonaram para fazer o que fosse necessário, para salvar quem não conheciam, para salvar até mesmo seus inimigos. Nessa hora, nenhum deles julgou ninguém, apenas se dedicaram a ajudar, a salvar. Me recuso a cultuar um ser que, do céu ou de sei lá onde, fica esperando e observando as pessoas para julgá-las em vez de socorrê-las quando precisam. O verdadeiro bem se faz na hora H, o verdadeiro herói não deixa outro ser senciente sozinho, sofrendo, e fica lá observando. Quando a humanidade vai deixar de contar lorotas para si mesma e vai sacudir a poeira para trabalhar pelo verdadeiro bem comum?

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Amor cristão

Certa vez ao ouvir de uma senhora crente aquela velha pregação de sempre sobre céu, inferno e que Jesus teria vindo para nos salvar, lhe questionei: "Senhora, me diga uma coisa.
Imagine que a senhora, que é crente, tem um filho ateu. Ambos pegam um elevador. Nesse momento acontece um forte terremoto, falta luz e o elevador trava. A senhora e seu filho, presos no elevador, percebem que não escaparão dali, pois o prédio começa a desabar. Ambos se desesperam. A senhora então tenta pela última vez pregar para ele, para que ele aceite o tal Jesus e seja salvo. Mas ele que é ateu, não aceita, rejeita Jesus. Infelizmente o prédio desaba e morrem os dois. A senhora que aceitou Jesus vai pro céu e seu filho, infelizmente, vai para o inferno.
Como a senhora será feliz no céu sabendo que seu amado filho foi para o inferno?" E lá veio a resposta: "Ah, meu filho, deixa, lá no céu você nem vai lembrar dessas pessoas."

Crueldade...

Um Universo de tamanho incomensurável. Com incontáveis galáxias. Galáxias com bilhões e bilhões de estrelas. Muitas e muitas dessas estrelas...